2024
Este vídeo é uma meditação visual sobre a escrita como processo, consciência e filtro. Tendo como base o princípio "há coisas que não devem ser lidas", a obra mergulha na prática artística de Anotio e Samuel Silva Menezes, partindo de dois objetos simbólicos — um caderno de apontamentos e um carimbo — para pensar a escrita não enquanto meio de comunicação, mas como ferramenta de pensamento.
O filme decorre ao longo de uma tarde que se transforma lentamente em noite, reforçando a ideia de um tempo interior, expandido. Música e incenso inauguram o espaço-tempo ritual que acolhe o pensamento. Não se escreve por impulso: primeiro escuta-se, pensa-se, e só depois o gesto de escrever se manifesta. Escrever torna-se, aqui, uma forma de pensar com o corpo.
A escrita passa por duas fases: apontamento e edição. Na primeira, a palavra nasce do fluxo da consciência, organizando ideias em tempo real — uma escrita crua, imediata, que funciona como forma de autocompreensão. Na segunda fase, escrever torna-se editar: cortar, filtrar, lapidar. A escrita torna-se mais consciente, deliberada. A frase "há coisas que não devem ser lidas" surge como o ponto de chegada desse processo — não como censura, mas como reconhecimento dos limites do que deve ser partilhado.
A montagem da matriz tipográfica com letras de borracha marca esse momento final. A escrita transforma-se em construção material, quase cirúrgica, letra a letra, com o auxílio de uma pinça. Este gesto lento e meticuloso reforça a ideia de que editar é escolher com precisão — e escolher é também silenciar. A inclusão da data na impressão remete à escrita como registo, como documentação do pensamento naquele dia, naquela hora.
Quando o vídeo termina, já é noite. O incenso quase se apagou. A luz mudou. A ideia foi escrita, impressa, guardada. E o que não deve ser lido — permanece, em silêncio, fora da página.
06' 04", preto e branco, som stereo, 3840x2160 (4K Ultra HD)
Anotio, 2024